Tuesday, April 24, 2007

Se eu te perguntar...

Lembro-me que ía ter uma aula de Desenho. Era o dia da semana de que eu mais gostava.

Creio que era uma Quarta-Feira.

Nesse dia, acordei antes da minha Mãe me chamar e achei estranho um barulho que vinha da sala do fundo. Parecia ouvir as vozes da família toda.

Levantei-me pelo meu próprio pé e lá fui eu pelo corredor fora, de pijama e descalça.

Chegada à sala, vejo os meus pais, avós e irmã, à volta do Rádio. Entro e pergunto em voz alta, porque ninguém me tinha acordado.

Schiu, schiu. Lembro-me da voz do meu pai, alterada e nervosa. Olhei para a minha mãe que delicadamente pôs o dedo sobre os lábios. O meu avô paterno, muito direito dizia, até que enfim, até que enfim.

Eu não percebia nada.

- "Daqui, posto de Comando..."

É uma revolução, filha!

Em poucos minutos, a porta tinha-se aberto para um mundo que eu não conhecia. Ditadura, Fascismo, os bons e os maus, Revolução. E o meu avô continuava, como que hipnotizado, até que enfim, até que enfim.

Afinal aquele Sr. que aparecia na TV nas «Conversas em Família», o Marcelo, era dos maus. Mas ele tinha um ar tão bonzinho. A GNR era dos maus. A Pide. E lembro-me de pensar, que os meus pais e avós afinal tinham segredos, dos quais eu não sabia nada.

E não ía ter a aula de Desenho.


Se eu te perguntar, onde estavas no 25 de Abril, como é que tu o recordas?

2 comments:

3Picuinhas said...

Estava lá longe do outro lado do oceano. Ainda não tinha seis anos mas já andava na escola, sabia ler, escrever e sobretudo ouvir. Ouvir as conversas dos adultos depois de escutarem a BBC. E lá longe, murmurava-se entredentes "aconteceu qualquer coisa na metrópole". E dias depois, no que então me parecia uma eternidade, vi o meu pai e a minha mãe agarrados um ao outro a chorar... de felicidade. "Somos livres, filha, somos livres". E eu que nunca tinha percebido que estávamos presos entendi então o que queria dizer a minha mãe quando me pedia para nunca repetir o que ouvia em casa.

Anonymous said...

Antes que eu comece a ficar lamechas (deve ser da PDI), lembro-me também de um Chaimite a derrubar um pimenteiro (aqueles sinais de trânsito), porque não conseguia passar, de apertado que era o passeio. Nunca tinha visto tal coisa!

E lembro-me ainda de ver duas mulheres vestidas com batas de mulheres-a-dias, com uma alcofa cheia de sandes e outra com cravos vermelhos inteirinhos. À medida que íam passando íam dando aos militares. E os soldados a comerem, desvairados de fome.

A própria, Não há cá nhó-nhós